Atraso na escolha do vocabulário oficial que contemple as alterações do Acordo Ortográfico, oferta excessiva de edições - que obrigará à intervenção do Governo -, falhas nos vocabulários já concluídos e perda de negócios penalizam agentes do sector e aplicação do tratado.
Nos últimos 40 anos, a Academia de Ciências de Lisboa (ACL) publicou apenas um vocabulário ortográfico, lançado precisamente em 1970. Nesse período, a Academia Brasileira de Letras fez cinco edições, a mais recente das quais data de 2009, já com as mudanças introduzidas pelo Acordo Ortográfico, e contempla um total de 250 mil entradas. D'Silvas Filho, linguista e membro do conselho científico da Sociedade da Língua Portuguesa (SLP), recorre a este exemplo para demonstrar o que diz ser a clara diferença de actuação entre os responsáveis dos dois países, o que ameaça os interesses portugueses. "É tudo muito moroso. Mais uma vez, andamos, na língua, a reboque do Brasil", sustenta.
Aguardado desde o final do ano passado, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa elaborado pela ACL encontra-se, finalmente, em fase de conclusão do original e será em breve entregue à Imprensa Nacional.
Quando vir a luz do dia, estarão no mercado três dicionários - da ACL, da Porto Editora e do Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC)-, o que vai obrigar a que o Governo decida, em conselho de ministros, qual vai ser o vocabulário adoptado.
A SLP teme, por isso, que essa oferta excessiva acabe por atrasar ainda mais a escolha do vocabulário oficial, o que acarreta consequências gravosas a vários níveis. "O tempo urge para orientação de quem tem de elaborar trabalhos destinados ao novo acordo", aponta o membro do conselho científico da instituição.
Além disso, todas as edições nacionais vão ter menos entradas do que a brasileira: a da ACL tem 90 mil, a da Porto Editora 180 mil e a do ILTEC mais de 100 mil.
Por outro lado, a lentidão do processo ameaça também os interesses do meio editorial português. Como os dois principais grupos nacionais do sector, Leya e Porto Editora, também operam nos restantes mercados lusófonos, vão estar em desvantagem face aos congéneres brasileiros. Por disporem já de um vocabulário aprovado, as editoras brasileiras poderão entrar em força em seis dos oito países de língua oficial portuguesa, já que apenas Angola e Moçambique ainda não assinaram o III Protocolo Modificativo. "Enquanto isso acontece, as nossas editoras vão aguardando por uma lei na língua do Português europeu", observa D'Silvas Filho.
A expectativa que rodeia a publicação do vocabulário da ACL é tanto maior porque a SLP encarou "com algumas reservas os dois vocabulários já editados", nos quais detectou falhas que espera não encontrar na edição com a responsabilidade da Academia.
Mesmo que o tratado seja adoptado nas escolas portuguesas só a partir do ano lectivo de 2012/2013, como afirmou a ministra da Educação, "é necessário que os professores se formem com antecedência e que as editoras vão preparando os manuais escolares".